julho 15, 2010

Prefácio

Esse Prefácio foi escrito em 1977, em resposta aos muitos pedidos para que se fizesse uma breve introdução a Um Curso em Milagres. As duas primeiras partes — Como veio a existir e O que é — são de autoria de Helen Schucman; a parte final — O que diz — foi escrita pelo processo de ditado interno descrito no Prefácio.

Como veio a existir
UM CURSO EM MILAGRES começou com a decisão repentina de duas pessoas de se unirem com uma meta comum. Seus nomes eram Helen Schucman e William Thetford, professores de psicologia médica na Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia na cidade de Nova York. Quem eram eles não importa, exceto que a história mostra que com Deus todas as coisas são possíveis. Eles eram tudo, menos pessoas interessadas no espiritual. O seu relacionamento era difícil e freqüentemente tenso e eles estavam preocupados com o nível de aceitação pessoal e profissional em suas vidas e com status. Em suma, tinham investido de forma considerável nos valores do mundo. As suas vidas dificilmente estavam de acordo com qualquer coisa que o curso advoga. Helen, que recebeu o material, descreve a si mesma nestes termos:

Psicóloga, educadora, teoricamente conservadora e ateísta em minhas crenças, eu estava trabalhando num ambiente altamente acadêmico e de muito prestígio. De repente algo aconteceu que desencadeou uma série de eventos que eu nunca poderia ter previsto. O chefe do meu departamento inesperadamente anunciou que ele estava cansado dos sentimentos raivosos e agressivos que as nossas atitudes refletiam, e concluiu dizendo que “tem que haver um outro jeito.” Como se eu estivesse esperando esse sinal, concordei em ajudar a achá-lo. Aparentemente, esse Curso é o outro jeito.

Apesar das suas intenções serem sérias, eles tiveram muita dificuldade em iniciar o seu empreendimento conjunto. Mas tinham dado ao Espírito Santo “um pouco de boa vontade” que, como o Curso enfatiza uma e outra vez, é suficiente para capacitá-Lo a usar qualquer situação para os Seus propósitos, suprindo-a com o Seu poder.

Continuando o relato de Helen, feito na primeira pessoa:

Três meses estarrecedores precederam o manuscrito em si, durante os quais Bill sugeriu que eu anotasse os sonhos altamente simbólicos e as descrições das estranhas imagens que vinham a mim. Apesar de já ter aprendido a me acostumar mais ao inesperado naquela altura, eu me surpreendi muito quando escrevi: “Esse é um curso em milagres.” Essa foi a minha apresentação à Voz. Ela não tinha som, mas parecia estar me dando um tipo de ditado interno e rápido que eu anotava num caderno de taquigrafia. O ato de escrever nunca era automático. Podia ser interrompido a qualquer momento e depois continuava daquele ponto. Isso me deixava muito desconfortável mas nunca me ocorreu seriamente parar. Parecia ser um projeto especial que eu tinha aceito de alguma forma, em algum lugar. Ele representava um empreendimento feito em colaboração verdadeira entre Bill e eu, e muito da sua significação, eu tenho certeza, está nisso. Eu anotava o que a Voz “dizia” e lia para ele no dia seguinte, ele então datilografava o que eu lhe ditava. Eu imagino que ele tenha tido o seu projeto especial também. Sem o seu apoio e encorajamento, eu nunca teria sido capaz de realizar o meu. Todo o processo levou aproximadamente sete anos. O Texto veio primeiro, depois o Livro de Exercícios e finalmente o Manual dos Professores. Apenas algumas modificações de somenos importância foram feitas. Os títulos dos capítulos e subtítulos foram inseridos no Texto e algumas das referencias mais pessoais que ocorreram no início foram omitidas. Exceto isso, o material não sofreu modificações substanciais.

Os nomes dos colaboradores na transcrição do Curso não aparecem porque o Curso pode e deve se manter por si próprio. Não se pretende que ele venha a ser a base para outro culto. O seu único propósito e suprir um caminho no qual algumas pessoas serão capazes de encontrar o seu próprio Professor Interno.

O que é
Como o seu título indica, o Curso é todo composto como um instrumento de ensino. Consiste de três livros: o Texto de 721 paginas, o Livro de Exercícios para estudantes de 512 páginas e O Manual de Professores de 94 páginas. A ordem em que os estudantes escolhem usar os livros e as formas nas quais o fazem depende de suas necessidades e preferências particulares.
O currículo que o curso propõe é cuidadosamente planejado e explicado passo a passo, tanto ao nível teórico quanto ao prático. Ele enfatiza a aplicação prática mais do que a teoria e a experiência mais do que a teologia. Declara especificamente que “uma teologia universal é impossível mas uma experiência universal não só é possível como necessária” (Manual, pág. 79). Apesar de ser cristão em seus princípios, o curso envolve temas espirituais universais. Enfatiza que é apenas uma versão do currículo universal. Existem muitas outras, essa se diferencia das outras apenas em forma. Todas conduzem a Deus no final.
O Texto é amplamente teórico e estabelece os conceitos nos quais o sistema de pensamento do curso se baseia. As suas idéias contêm o fundamento para as lições do Livro de Exercícios. Sem a aplicação prática que o Livro de Exercícios provê, o Texto permaneceria em grande parte apenas uma série de abstrações que dificilmente seriam suficientes para realizar a reversão de pensamento que é o objetivo do Curso.
O Livro de Exercícios inclui 365 lições, uma para cada dia do ano. No entanto, não é necessário fazer as lições nesse ritmo, e cada pessoa pode querer ficar em uma lição particularmente atraente por mais de um dia. As instruções requerem apenas que não se tente fazer mais de uma lição por dia. A natureza prática do Livro de Exercícios é salientada pela introdução às lições, que enfatiza a experiência através de aplicações práticas mais do que um comprometimento anterior a uma meta espiritual:

Acharás difícil acreditar em algumas das idéias que esse Livro de Exercícios te apresenta, e outras podem te parecer bastante surpreendentes. Isso não importa. Meramente te é pedido que apliques as idéias assim como és dirigido a fazer. Não te é pedido para julgá-las em absoluto. Só te é pedido que as use. É o uso destas idéias que dará significado para ti e te mostrará que são verdadeiras. Lembra-te apenas disso: não precisas acreditar nas idéias, não precisas aceitá-las e não precisas nem mesmo acolhê-las bem. A algumas delas podes resistir com veemência. Nada disso importará, ou diminuirá a sua eficácia. Mas não te permitas fazer exceções ao aplicar as idéias contidas no Livro de Exercícios e, quaisquer que sejam as tuas reações às idéias, usa-as. Nada mais do que isso é requerido. (Livro de Exercícios, pág. 2)

Finalmente o Manual dos Professores, que é escrito em forma de perguntas e respostas, fornece respostas a algumas das perguntas mais prováveis que um estudante poderia fazer. Também inclui esclarecimentos a respeito de alguns dos termos que o Curso emprega, explicando-os dentro da estrutura teórica do Texto. O Curso não pretende chegar a finalidade última e as lições também não pretendem levar o estudante a completar o aprendizado. No fim, o leitor é deixado nas mãos do seu Professor Interno, que orientará todas as lições posteriores como Ele achar adequado. Apesar do curso ser abrangente na sua estruturação, a Verdade não pode ser limitada a nenhuma forma finita, como é claramente reconhecido na declaração no fim do Livro de Exercícios:

Esse curso é um começo, não um fim.... Não há mais lições específicas, pois não precisamos mais delas. A partir de agora, ouve apenas a Voz por Deus. . . Ele dirigira os teus esforços, dizendo-te exatamente o que fazer, como orientar a tua mente e quando vir a Ele, em silêncio, pedindo-Lhe a Sua orientação segura e o Seu Verbo certo. (Livro de Exercícios, pág. 511)

O que diz
Nada real pode ser ameaçado.
Nada irreal existe.
Nisso está a paz de Deus.

É assim que Um Curso em Milagres começa. Ele faz uma distinção fundamental entre o real e o irreal, entre conhecimento e percepção. Conhecimento é Verdade, e está sob uma única lei, a lei do Amor de Deus. A Verdade é inalterável, eterna e não é ambígua. É possível não reconhecê-la, mas não é possível mudá-la. Ela se aplica a tudo o que Deus criou e só o que Ele criou é real. Está além do aprendizado porque está além do tempo e do processo. Não tem opostos, não tem início e não tem fim. Simplesmente é.
O mundo da percepção, por outro lado, é o mundo do tempo, da mudança, dos inícios e dos fins. Ele se baseia em interpretação, não em fatos. E o mundo do nascimento e da morte, fundado sobre a crença na escassez, na perda, na separação e na morte. Ele é aprendido mais do que dado, seletivo nas ênfases que dá a percepção, instável em seu funcionamento e impreciso em suas interpretações.
Do conhecimento e da percepção surgem respectivamente dois sistemas de pensamento distintos que são opostos em todos os aspectos. No domínio do conhecimento, nenhum pensamento existe à parte de Deus, porque Deus e Sua Criação compartilham uma Única Vontade. O mundo da percepção, no entanto, é feito pela crença em opostos e vontades separadas, em perpétuo conflito umas com as outras e com Deus. O que a percepção vê e ouve parece ser real porque ela só permite que entre na consciência o que está de acordo com os desejos de quem está percebendo. Isso leva a um mundo de ilusões, um mundo que precisa de defesa constante, exatamente porque ele não é real.
Quando foste aprisionado no mundo da percepção, foste aprisionado num sonho. Não podes escapar sem ajuda, porque tudo o que os teus sentidos te mostram apenas testemunha a realidade do sonho. Deus forneceu a Resposta, o único Caminho para a saída, o verdadeiro Ajudante. A função da Sua Voz, Seu Espírito Santo, é ser o mediador entre os dois mundos. Ele pode fazer isso porque, se de um lado conhece a Verdade, de outro também reconhece as nossas ilusões, mas sem acreditar nelas. A meta do Espírito Santo é nos ajudar a escapar do mundo de sonhos ensinando-nos a reverter nosso pensamento e a desaprender nossos erros. O perdão é o grande instrumento de aprendizado do Espírito Santo para realizar essa inversão do pensamento. No entanto, o curso tem a sua própria definição do que é realmente o perdão, assim como ele define o mundo à sua própria maneira.
O mundo que nós vemos apenas reflete o nosso próprio referencial interno—as idéias dominantes, desejos e emoções em nossas mentes. “A projeção faz a percepção” (Texto pág. 474). Nós olhamos antes para dentro, decidimos o tipo de mundo que querermos ver e então projetamos esse mundo lá fora, fazendo dele a verdade tal como a vemos. Nós fazemos com que ele seja verdadeiro através de nossas interpretações do que estamos vendo. Se estamos usando a percepção para justificar nossos próprios erros – nossa raiva, nossos impulsos para atacar, nossa falta de amor em todas as formas que pode ter – veremos um mundo de maldade, destruição, malícia, inveja e desespero. Tudo isso nós precisamos aprender a perdoar, não porque estamos sendo “bons” e “caridosos”, mas porque o que estamos vendo não é verdadeiro. Nós distorcemos o mundo pelas nossas defesas tortuosas e estamos conseqüentemente vendo o que não existe. À medida que aprendemos a reconhecer nossos erros de percepção, também aprendemos a olhar para o que está além ou “perdoá-los”. Ao mesmo tempo, estamos perdoando a nós mesmos, olhando para o que está além de nossos auto-conceitos distorcidos que é o Ser Que Deus criou em nós e como nós.
O pecado é definido como “falta de amor” (Texto pág. 12). Já que o amor é tudo o que existe, o pecado na ótica do Espírito Santo é um erro a ser corrigido, e não um mal a ser punido. Nosso senso de inadequação, fraqueza e in-completeza vem do grande investimento no “princípio da escassez” que governa todo o mundo das ilusões. Desse ponto de vista, nós buscamos em outros o que sentimos que está faltando em nós mesmos. “Amamos” um outro para conseguirmos algo para nós. Isso, de fato, é o que passa por amor no mundo dos sonhos. Não pode existir nenhum erro maior do que esse, pois o amor é incapaz de pedir o que quer que seja.
Só as mentes podem se unir na realidade, e aqueles a quem Deus uniu ninguém pode separar (Texto pág. 378). No entanto, é só ao nível da Mente de Cristo que a verdadeira união é possível e essa, de fato, nunca foi perdida. O “pequeno eu” procura se realçar através da aprovação externa, dos bens externos e do “amor” externo. O Ser que Deus criou não precisa de nada. Ele está para sempre completo, a salvo, amado e amoroso. Procura compartilhar mais do que conquistar, estender mais do que projetar. Ele não tem necessidades e quer unir-se a outros devido à consciência mútua da abundância.
Os relacionamentos especiais do mundo são destrutivos, egoístas e infantilmente egocêntricos. No entanto, se dados ao Espírito Santo, esses relacionamentos podem vir a ser as coisas mais santas na terra – os milagres que indicam o caminho para o retorno ao Céu. O mundo usa os seus relacionamentos especiais como urna arma final de exclusão e uma demonstração do estado de separação. O Espírito Santo os transforma em lições perfeitas de perdão e lições que nos levam a despertar do sonho. Cada um é uma oportunidade de deixar que as percepções sejam curadas e os erros corrigidos. Cada um é mais uma chance de perdoar a si mesmo perdoando ao outro. E cada um vem a ser mais um convite ao Espírito Santo e à lembrança de Deus.
A percepção é uma função do corpo e, portanto, representa um limite na consciência. A percepção vê através dos olhos do corpo e ouve através dos ouvidos do corpo. Evoca as respostas limitadas que o corpo dá. O corpo parece ser amplamente auto-motivado e independente, no entanto, ele responde só as intenções da mente. Se a mente quer usá-lo para o ataque em qualquer forma, ele vem a ser vítima da doença, da idade e da decadência. Se, em vez disso, a mente aceita o propósito que o Espírito Santo tem para ele, ele vem a ser um meio útil de comunicação com os outros, invulnerável por tanto tempo quanto for necessário para ser gentilmente deixado de lado quando a sua utilidade chegar ao fim. Em si mesmo ele é neutro, como tudo no mundo da percepção. E usado para os objetivos do ego ou do Espírito Santo, dependendo inteiramente do que a mente quer.
O oposto da ótica que se tem com os olhos do corpo é a visão de Cristo, que reflete força em vez de fraqueza, união em vez de separação e amor no lugar do medo. O oposto da audição através dos ouvidos do corpo é a comunicação através da Voz por Deus, O Espírito Santo, que habita em cada um de nós. A Sua Voz parece distante e difícil de ser ouvida porque o ego, que fala pelo ser pequeno e separado, parece falar muito mais alto. De fato, isso está revertido. O Espírito Santo fala com uma clareza inconfundível e com um apelo irresistível. Ninguém que não escolhesse se identificar com o corpo poderia ser surdo as Suas mensagens de liberação e esperança, ou poderia falhar em aceitar com alegria a visão de Cristo em lugar do seu miserável retrato de Si mesmo.
A visão de Cristo é a dádiva do Espírito Santo, a alternativa de Deus para a ilusão da separação e para a crença na realidade do pecado, da culpa e da morte. É a única correção de todos os erros da percepção, a reconciliação dos aparentes opostos nos quais esse mundo se baseia. A sua luz benigna mostra todas as coisas de outro ponto de vista, refletindo o sistema de pensamento que surge do conhecimento e fazendo com que o retorno a Deus não só seja possível mas inevitável. O que era considerado como injustiças feitas a alguém por outra pessoa, agora vem a ser um pedido de ajuda e um chamado para a união. O pecado, a doença e o ataque são vistos como percepções equivocadas que pedem um remédio através da gentileza e do amor. As defesas são postas de lado porque onde não há ataque, não há necessidade delas. As necessidades de nossos irmãos passam a ser as nossas, porque eles fazem conosco a jornada em direção a Deus. Separados de nós, eles perderiam o seu caminho. Sem eles, nós nunca poderíamos achar o nosso.
O perdão é desconhecido no Céu, onde a sua necessidade seria inconcebível. No entanto, nesse mundo o perdão é uma correção necessária a todos os erros que cometemos. Oferecer o perdão é o único modo de o recebermos, pois ele reflete a lei do Céu onde dar e receber são a mesma coisa. O Céu é o estado natural de todos os Filhos de Deus tal como Ele os criou. Essa é a sua realidade para sempre. Ela não foi mudada por ter sido esquecida.
O perdão é o meio através do qual nós nos lembraremos. Através do perdão, o pensamento do mundo é revertido. O mundo perdoado vem a ser a porta do Céu, porque através da sua misericórdia podemos finalmente perdoar a nos mesmos. Não aprisionando ninguém à culpa, nós nos libertamos. Tomando conhecimento de Cristo em todos os nossos irmãos, reconhecemos a Sua Presença em nós mesmos. Esquecendo todas as nossas percepções equivocadas e sem nada do passado para nos deter, podemos nos lembrar de Deus. Além deste aprendizado, não podemos ir. Estamos prontos e o próprio Deus dará o passo final em nossa viagem de volta a Ele.